ESTUDO BÍBLICO ESPLICA O SHEMA DE ISRAEL

 Estudo bíblico explica o Shema Israel (Deuteronômio 6:4) e a Doutrina da Trindade

Prof. Raymundo Cortizo Perez, (Th.D.)
O que é o “Shema Israel“? Como ele se encontra no texto original hebraico de Deuteronômio 6:4 e o que ele realmente quer dizer? O que essa pequena frase de Moisés verdadeiramente ensina sobre Deus? O texto original realmente diz que Ele é o único Senhor? Ele contraria, de alguma forma, a Doutrina da Trindade cristã?
O que deu errado com Deuteronômio 6:4 nas traduções bíblicas?
O capítulo 6 de Deuteronômio é sem dúvida um dos mais importantes da Bíblia Sagrada. Enquanto Ieshua, o ungido, era tentado, por exemplo, cita dois textos deste capítulo para contestar o inimigo, são eles:
Mat. 4:7 > Deut. 6:16;
Mat. 4:10 > Deut. 6:13.
Além do mais, Deuteronômio 6:4 contém o que foi confirmado por ele como sendo o principal ou maior mandamento das Escrituras. Mas das bíblias cristãs, até o momento, eu só encontrei uma que acertou na tradução deste texto, que é a Versão Fácil de Ler (VFL), além da tradução da Sefer Editora (Tanah Completo), que não é cristã. Na VFL, o texto diz:
— Ouça, ó Israel, o SENHOR é o nosso Deus. O SENHOR é só um.
(Deuteronômio 6:4 VFL)
As demais traduziram algo como: “O Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Porém, a palavra “senhor” nem sequer aparece no texto original. O que temos é este título sendo usado em substituição do Nome de Deus.
O texto hebraico de Deuteronômio 6:4, na verdade, diz o seguinte (lendo da direita para esquerda):
שְׁמַע יִשְׂרָאֵל יְהוָה אֱלֹהֵינוּ יְהוָה ׀ אֶחָד׃
shema Israel YHWH eloheinu YHWH ehad
Ouça, Israel: YHWH é nosso Deus; YHWH é um!
Essa é a tradução literal do texto. As traduções interpretativas dos autores verteram: Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. (NVI) Claramente uma tradução errada!
Mas por que, no Shema Israel, Moisés estava ensinando que ADONAI (“o SENHOR”) é um só?
Primeiro precisamos explicar a palavra hebraica אֶחָד (“ehad” ou “echad”). Ela significa, basicamente, uma unidade simples e absoluta. Nós a encontramos centenas de vezes nas Escrituras. Vamos conferir alguns casos na lista abaixo:
Em Gênesis 2:21 se refere a uma das costelas de Adão;
Em 4:19 se refere a uma das esposas de Lameque;
Já em Gn 10:25 se refere a um dos filhos de Héber;
No capítulo 11:1 cita “uma língua só”;
Em Gn 27:38 relata “uma única bênção”;
Gn 42:11 e 13 cita “um homem só”;
Em Êxodo 11:1 relata “uma praga”;
Já em 12:46 é citada “uma casa só”;
Êxodo 29, vs. 15, 39 e 40 falam de “um animal só” (cf. Nm 29:16-38);
Em 30:10 vemos falar-se de “uma vez no ano”;
Em Números 35:30 refere-se a “uma só testemunha”, ou seja, uma só pessoa, um só indivíduo;
Por fim, em Josué 12:9-24 refere-se, por diversas vezes, a um por um dos reis que foram vencidos em combate pelos israelitas.
São centenas de outros casos, pois ehad aparece nas Escrituras cerca de 730 vezes.
Em suma, como vimos, não há nada demais com a palavra ehad. Ela simplesmente descreve uma unidade, seja um indivíduo, um objeto, etc.
Porém, há várias pessoas afirmando que “ehad” significa uma “unidade composta“, e com isso estão interpretando que existe uma “pluralidade na divindade“.
Ou seja, estão interpretando (inventando) que Deus é um, mas é três ao mesmo tempo. Eles se baseiam em textos como Gênesis 2:24, onde é dito que marido e mulher, ao se unirem em matrimônio, seriam os dois uma só (ehad) carne.
No entanto, observando que a palavra “ehad” é usada tantas vezes para descrever um indivíduo só, ou uma unidade simples de uma coisa qualquer, como vimos nos exemplos citados mais acima, fica claro que essa interpretação de “unidade composta” é algo meramente subjetivo, é fruto da imaginação do ser humano instigado por uma crença. Além disso, é possível que Gn 2:24 se refira à “carne” que nasce do relacionamento homem e mulher, isto é, um filho (bem como à união sentimental).
Mas agora, entendendo o ambiente de onde estavam vindo os israelitas que Deus havia tirado do Egito por meio de Moisés, conseguimos compreender melhor as origens da doutrina da trindade, que hoje em dia é comumente apregoada no meio cristão, seja católico, protestante ou evangélico.
Para descobrir isso, vamos citar um trecho de uma pesquisa de um livro cristão mesmo:
A trindade no Egito antigo.
“Como mencionamos anteriormente, era comum a combinação dos deuses [egípcios] em tríades.
Entre muitas as mais usuais eram:
Osíris-Isis-Hórus (em Abidos);
Amon-Mut-Khonsu (em Karnak);
Ptah-Sechmet-Nefertum (em Mênfis);
Khnum-Satet-Anuket (em Elefantina);
e Khepri-Rá-Atum (em Heliópolis). Essa tendência de agrupamento tendia a colocar o deus principal como masculino, o segundo elemento feminino e o terceiro, um deus-filho.
De maneira geral, os agrupamentos divinos em tríades eram expressões de pluralidade e de unidade ao mesmo tempo.
De alguma forma, a tríade acabou sendo percebida pelos egípcios como um símbolo da unidade do múltiplo divino.”
(Livro Os Outros da Bíblia, págs. 87-88, versão Kindle)
Isso parece deixar bem claro o motivo pelo qual Moisés ensina que ADONAI é um, você não acha?
É impressionante a semelhança entre o ensinamento da Trindade cristã com as crenças egípcias! Mas estas não são as únicas apresentadas no livro.
Na Mesopotâmia antiga, ao menos duas trindades são mencionadas: An, Enlil e Enki; Nanna, Shamash e Ishtar (pág. 47).
Depois disso, o autor do livro confessa:
O que importa aqui é o fato de os mesopotâmicos, muito antes dos próprios hebreus, e antecipando em milênios os teólogos da Igreja, terem imaginado que o divino funciona melhor em três.
Veja que os mesopotâmicos anteciparam os hebreus na doutrina da trindade, e isso é óbvio, pois o ensinamento de Deus para eles é totalmente contrário a essa doutrina, como estamos vendo no caso de Deuteronômio 6:4. Mas isso o próprio livro também vai dizer, como se segue:
Outro detalhe interessante são as tríades divinas, muito mais frequentes no Egito do que na Mesopotâmia. Vale aqui a mesma reflexão sobre a percepção humana de que o divino poderia ser mais bem representado em três, ideia teológica que os egípcios desenvolveram com intensidade. Isso é notável, pois vale lembrar que os hebreus jamais cogitaram qualquer coisa próxima da Trindade, imbuídos que estavam de uma revelação que apontava para o monoteísmo em sua forma mais básica. A igreja cristã percebeu a presença trinitária em algumas afirmações do Antigo Testamento, mas o judaísmo jamais deu esse passo.
Como nós vemos claramente, a Trindade não é um ensinamento bíblico que tenha nascido entre os israelitas, o povo que escreveu a Bíblia! (Dt 31:9; 33:4; Rm 3:1-2; 9:4)
Além disso, também lemos que os egípcios e os mesopotâmicos anteciparam os teólogos da Igreja na doutrina da Trindade. Ora, os “teólogos da Igreja” obviamente se refere aos pais da Igreja. Logo, isso quer dizer que tal ensino se desenvolveu fora do ambiente das Escrituras Sagradas, em época posterior ao Senhor e seus discípulos, do que veremos detalhes no último tópico.
De modo geral, tanto esses povos antigos como outros que vieram depois deles, até próximo do tempo do Messias, acreditavam que os deuses compartilhavam da mesma natureza divina, embora fossem pessoas diferentes. Isso é exatamente o ensino cristão introduzido pelos pais da Igreja, e exatamente o contrário do Shema Israel, que confessa: YHWH ehad (Adonai é um!)
Jesus, o Shema Israel e a doutrina da trindade.
icone_Simon-Ushakov_sobre_a-trindade_em_1671
Ícone Simon Ushakov sobre a trindade, em1671.
Não queremos nos alongar aqui nessa questão, até porque já escrevemos vários estudos abordando diferentes passagens bíblicas que geralmente são usadas para defender que Deus é uma trindade. Então vamos resumir nossas palavras por agora à análise de um simples trecho dos escritos dos discípulos do Senhor.
Em Marcos 12:28-34 lemos um discurso do Mestre com um dos doutores da Torá. No v. 29 o Senhor Ieshua cita Deuteronômio 6:4 como sendo o principal dos mandamentos. Ele diz, naturalmente, que ADONAI é nosso Deus, e Ele é um só! Porém aqui só a Tradução Brasileira acerta a tradução do texto.
Respondeu Jesus: O primeiro é: Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só;
(Marcos 12:29 Tradução Brasileira)
Diante disso, o mestre de Torá responde: “Na verdade, Mestre, disseste bem que ele é um, e não há outro senão ele…” (v. 32).
Em seguida, vendo que ele havia respondido sabiamente, o Senhor lhe diz: “Tu não estás longe do reino de Deus“ (v. 34). Com isso, nosso Salvador está concordando com o escriba que reitera que Deus é um só, a saber, o Pai (Adonai). Ou seja, nosso mestre Ieshua não diz que Deus é uma trindade ou três pessoas, pois este não é um ensinamento das Escrituras Sagradas! Além do mais, um não é igual a dois nem três, um é igual a um!
Porém, não podemos deixar de frisar algo muito importante que é dito pelo Senhor no v. 34. Pois quando o escriba confirma a unicidade divina, é respondido que ele não estava longe do reino de Deus. Mas o que isso significa? Obviamente que a entrada de um indivíduo no reino de Deus está condicionada a crer que ADONAI é o único Deus verdadeiro, vivo e existente, e que Ele é um só, como expressamente afirma o Shema Israel e o próprio Messias!
Em João 17:3, o mestre Ieshua reafirma o mesmo, ou seja, que o Pai é o único Deus verdadeiro, e que Ieshua é seu enviado, emissário ou porta-voz.
Mas quando Deus passou a ser considerado uma trindade, como os deuses egípcios antigos, contrariando o Shema Israel?
Não nos alongaremos tanto aqui também afim de não tornar o texto cansativo, mas traremos informações históricas importantes que poderão servir de ponto de partida para mais pesquisas.
A interpretação bíblica que ensina que Deus é uma trindade, ou seja, que está dividido em “três pessoas” diferentes, só foi elaborada a partir do 2º século de nossa era, com os pais da Igreja.
O assunto teve seus fundamentos lançados por Inácio de Antioquia (35-107), como vemos a seguir:
Pois nosso Deus, Jesus Cristo, tomou carne no seio de Maria segundo o plano de Deus, sendo de um lado descendente de Davi, provindo por outro do Espírito Santo.
(Inácio aos efésios, 18.2a, início do 2º século)
Nessa carta, embora Inácio não negue que o Pai é Deus, apresenta claramente que Jesus Cristo é Deus também (também?). Mas, do ponto de vista histórico, um dos primeiros a utilizar, no Ocidente cristão, o termo “Trindade” para expressar a ideia de que a unidade divina existiria em três pessoas distintas, foi Tertuliano. No início do século III, em sua obra “Adversus Praxeas“, ele utilizou o termo latino de trinitas. Antes disso, e no Oriente cristão, só há o registo do termo grego “Τριας” (Trias) nos escritos de Teófilo de Antioquia, em seu 2º Livro a Autólico, redigido por volta do ano 180.
Em especial Tertuliano, na tentativa de explicar como funciona a Trindade dos cristãos, se expressa assim:
[…] especialmente no caso desta heresia, que se supõe possuir a pura verdade, pensando que ninguém pode acreditar em Um Só Deus de qualquer outra forma que não dizendo que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a mesma Pessoa. Como se deste jeito também um não fosse todos, em que todos fossem de Um, por unidade (que é) de substância; enquanto o mistério da dispensação está ainda guardado, o qual distribui a Unidade em uma Trindade, colocando em sua ordem as três Pessoas – O Pai, o Filho e o Espírito Santo: três, contudo não em condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em aspecto; ainda que em uma substância, uma condição e um poder, enquanto que Ele é um Deus, de onde estes graus, formas e aspectos são reconhecidos, sob o nome de Pai, Filho e Espírito Santo.
Praxeas, Tertuliano, cap. 2. Fonte: ecristianismo.com.br.
Não é difícil perceber que esses homens contrariaram tudo que o Shema Israel afirmou. Suas interpretações inspiradas em culturas alheias ao que foi ensinado a respeito da divindade ao povo de Israel, causaram muita confusão no mundo antigo, e estão causando até hoje.
Por fim, a distorção de Deuteronômio 6:4 nas traduções bíblicas comuns colaborou para que doutrinas solapadas às Escrituras fossem introduzidas na fé do mundo inteiro

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